Os morcegos são frequentemente associados a histórias de horror, vampiros e casas mal-assombradas. A razão por trás dessa má fama provavelmente tem a ver com o fato de que, além de ser o único mamífero capaz de voar, os morcegos são os hospedeiros perfeitos para muitos vírus causadores de doenças.

De fato, sabe-se que os morcegos podem carregar o vírus da raiva e o vírus de Marburg, sem falar que pesquisas também sugerem que os morcegos podem ter sido os hospedeiros originais do Ebola e até mesmo do novo coronavírus.

O que complica ainda mais a situação é que, para vários desses vírus hospedados por morcegos, não há uma cura propriamente dita, o que significa que os médicos só podem oferecer tratamento de suporte enquanto o sistema imunológico do paciente combate o vírus.

Quando se trata de animais capazes de transportar vírus que podem ser transferidos para outras espécies, incluindo para seres humanos (os chamados vírus “zoonóticos”), os morcegos são campeões. Esses mamíferos voadores podem hospedar mais de 60 vírus zoonóticos diferentes. Para se ter uma ideia, esse número só é rivalizado por roedores que carregam uma ampla variedade de bactérias, vírus, protozoários e helmintos (vermes). Mas, afinal de contas, por que eles transmitem tantas doenças?

Ao longo desse artigo, nós vamos explorar os principais fatores que ajudam a explicar por que esses animais voadores são portadores de tantos vírus nocivos aos seres humanos.

A importância do fator ambiental

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Antes de tudo, precisamos levar em conta o fato de que estamos falando de uma espécie animal muito numerosa. Em termos estatísticos, os morcegos representam cerca de um quarto de todo os mamíferos existentes. Somente os roedores, que têm uma população com quase o dobro do tamanho, excedem os mamíferos voadores em número de indivíduos.

Mas, além disso, a invasão humana em áreas selvagens também é um fator crucial. Através da expansão urbana, os seres humanos passaram a invadir áreas onde morcegos vivem naturalmente, especialmente nos trópicos, o que levou a um aumento do risco de contato com esses animais.

Na Malásia, por exemplo, fazendas comerciais de porcos foram instaladas em florestas habitadas por morcegos, o que consequentemente levou ao primeiro surto humano do vírus Nipah, através de porcos. Assim, podemos dizer que, à medida que as pessoas continuam a se mudar para as selvas do planeta, elas verão cada vez mais surtos de vírus zoonóticos.

No entanto, o detalhe que mais chama a atenção é o fato de que o morcego também carrega mais patógenos humanos do que outros seres vivos. Por quê? Bem, como esses animais preferem viver próximos um do outro, esse estilo de vida acaba promovendo muitas oportunidades para os patógenos se espalharem entre os morcegos, algo que acontece de forma semelhante com os seres humanos transmitindo vírus respiratórios como a gripe durante o inverno, a estação mais “aconchegante” do ano.

Mas por que esses vírus letais não são mortais para os próprios morcegos?

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Com relação a esta pergunta, os cientistas geralmente teorizam que isso tem algo a ver com a capacidade de voar. Basicamente, é preciso muita energia para voar, sendo que quando muita energia está sendo utilizada, muito desperdício é produzido. Para evitar que isso danifique o DNA dos morcegos, eles desenvolveram, ao longo do tempo, um sofisticado mecanismo de defesa que também os ajuda a impedir que eles sucumbam às doenças.

Mas qual é esse mecanismo que impede os morcegos de adoecer devido às cargas microbianas incomumente elevadas em seus corpos? Bem, essa pergunta foi finalmente respondida pelo cientista Peng Zhou e seus colegas de trabalho em um artigo publicado na revista Cell Host & Microbe. Zhou e os cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan, na China, descobriram que, nos morcegos, uma via imunológica antiviral é diferenciada, de modo que esses animais podem manter defesas suficientes contra doenças sem desencadear o sistema imunológico.

No caso dos seres humanos e de outros mamíferos, uma resposta excessiva imune a um desses e a outros vírus patogênicos pode desencadear doenças graves. Por exemplo, em humanos, esse tipo de resposta costuma estar ligado a doenças autoimunes graves. Pesquisadores da University College Dublin também mostraram que as células dos morcegos podem montar rapidamente uma resposta antiviral robusta sempre que um patógeno é detectado, mas comparado à resposta imune de um camundongo, o sistema imunológico dos morcegos pode reverter rapidamente sua resposta liberando citocinas anti-inflamatórias.

Outros pesquisadores sugeriram que a super tolerância dos morcegos também pode ter algo a ver com sua capacidade de gerar grandes repertórios de anticorpos ou com o fato de que, quando voam, suas temperaturas internas aumentam para cerca de 40 graus Celsius, o que não é ideal para muitos vírus. Desse modo, somente os vírus que desenvolveram mecanismos de tolerância conseguem sobreviver em morcegos. O problema é que, consequentemente, esses vírus resistentes podem tolerar a febre humana, ou seja, o que é bom para os morcegos é ruim para os humanos.

Uma palavra final

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Então, o que podemos fazer para evitar futuros surtos de vírus relacionados aos morcegos? Bem, certamente não podemos criar vacinas e medicamentos para todos esses patógenos emergentes, por isso se faz mais que necessário estudar as interações entre morcegos, humanos e animais domésticos e identificar os fatores que estão fazendo os morcegos entrarem em contato com humanos e animais domésticos.

Um outro problema com relação à interação de humanos com os morcegos é que esses animais são caçados em algumas partes da Ásia, seja para alimentação ou para serem comercializados. Por razões óbvias, o consumo desses animais tem sido bastante criticado (especialmente no mundo ocidental), mas por se tratar de uma questão cultural muitas vezes vista apenas em locais bastante isolados, o fim dessa prática ainda pode estar um pouco distante.

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